O problema da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol provocou apaixonadas discussões, De um lado, formavam aqueles que defendiam a demarcação contínua de uma imensa área de 1,7 milhão de hectares para pouco mais do que 19.000 índios. Em posição oposta, alinhavam-se os que preferiam, no contexto que envolvia a questão, uma demarcação descontínua. Abundantes argumentações foram apresentadas por ambos os lados.
Minha posição é conhecida: propugnava pela demarcação descontínua, pois considero que, levando-se em consideração as circunstâncias peculiares à área, seria a solução mais adequada. Respeitaria o direito dos índios à terra, prerrogativa assegurada na Constituição, mas não agravaria outros conhecidos problemas locais. A quase totalidade dos índios que habita a região está aculturada e, a maioria, não deseja a demarcação contínua. Além do mais, há, no local, importante atividade agrícola ligada à produção de arroz. A solução que prefiro é, também, mais adequada para resguardar a soberania brasileira. Embora afirmem, agora, que as Forças Armadas podem ter livre trânsito no interior da reserva, não é exatamente isso que tem ocorrido. Vale lembrar que a instalação de um Pelotão Especial de Fronteira – Uiramutã – na área da reserva foi contestada e somente pôde ser concretizada após o pronunciamento da justiça. E não se pode esquecer que o Brasil assinou na ONU uma esdrúxula Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas que, uma vez homologada em nosso país, fragilizaria definitivamente a defesa dessa parte do Brasil.
Atualmente, no STF, oito ministros já enunciaram seus votos favoráveis a uma demarcação contínua. Como tenho, sistematicamente, pregado a necessidade de o brasileiro aprender a respeitar e cumprir a lei, tenho de render-me à decisão que com certeza será tomada – demarcação contínua. Decisão do Supremo não se discute. Mas há algumas observações adicionais que precisam ser levadas em conta. Em seus votos, os ministros apresentaram imposições para a aplicação da decisão, a maioria acolhendo as dezoito condições estabelecidas pelo ministro Carlos Alberto Menezes Direito.
As condições estabelecidas pelo ministro Menezes Direito, na verdade, atenuam quase todas as objeções que eram feitas a uma demarcação contínua, inclusive admitindo o trânsito de visitantes e pesquisadores não-índios na reserva e autorizando a instalação pela União Federal de equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além de construções necessárias à prestação de serviços públicos. Em seu voto, o ministro Antônio Cezar Peluzo emitiu claro parecer de que futuras demarcações não poderão estar apoiadas unicamente em laudos de antropólogos indicados pela FUNAI.
No que tange ao problema da segurança, duas condições do ministro Menezes Direito – números cinco e seis – não deixam dúvidas quanto às prioridades:
5 – O usufruto dos índios fica condicionado ao interesse da Política de Defesa Nacional. A instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico a critério dos órgãos competentes (o Ministério da Defesa, o Conselho de Defesa Nacional) serão implementados independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à Funai;
6 – A atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal na área indígena, no âmbito de suas atribuições, fica garantida e se dará independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à Funai;
Feita essa breve recordação dos fatos, podemos voltar à pergunta do título. Inicialmente, é preciso ter em conta que apenas após a decisão final do STF poderemos indicar com certeza os reais perdedores nessa intrincada questão. Mas, considerando a clara tendência já configurada, é possível tirarmos, desde agora, algumas conclusões preliminares.
Sem dúvida, em uma primeira avaliação, fica evidente que perdemos todos nós que almejávamos uma demarcação descontínua. Todos nós que vemos com aflição quase toda a fronteira norte ser demarcada em uma sucessão de terras indígenas, todas em dimensões gigantescas. Óbvio que, nesse grupo, alguns tiveram suas maiores preocupações resguardadas com as ressalvas do ministro Menezes Direito e os maiores perdedores ficaram sendo, sem dúvida, os plantadores de arroz, o que não deixa de ser uma lástima. A atividade agrícola por eles desenvolvida envolve alta tecnologia, gera
muitos empregos, tem a aprovação da maioria da população índia da área e é importante para a economia do estado. Ressalte-se, ainda, que, ao contrário do apregoado pela maioria da imprensa, não são grileiros. Lá chegaram incentivados pelo próprio governo federal.
No meu ponto de vista, perderam, também, algumas ONGs que advogaram a demarcação em forma contínua pensando muito mais em obter facilidades para a exploração das imensas riquezas existentes na região do que no bem estar dos indígenas. O rol de condições acolhido pela maioria dos ministros foi suficientemente prudente para, de forma clara, tolher essas maléficas intenções.
No entanto, a grande perdedora será a FUNAI, caso prevaleçam as condicionantes da maioria dos votos até agora proferidos. A prevalência do interesse nacional sobre o usufruto dos índios, a garantia para a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal, independente de autorização das comunidades indígenas, um debate maior, envolvendo outras organizações para futuras demarcações, além da própria autorização para o trânsito de não índios na área, são ressalvas que ferem profundamente princípios tradicionalmente defendidos – contra os interesses nacionais, é bom que fique claro – por aquela instituição. Houve, ainda, uma precisa indicação de que o Estado Brasileiro terá de se fazer presente na área demarcada, obrigando a FUNAI a abrir mão de sua danosa prática de demarcar imensas áreas indígenas para depois abandonar seus habitantes à própria sorte.
Gen Ex GILBERTO BARBOSA DE FIGUEIREDO
Presidente do Clube Militar
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