Resumo: Responsabilizar cidadãos de bem por tragédias que têm como origem “bala perdida” é ludibriar o contribuinte e não querer resolver o problema.
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O título de uma matéria assinada por Jailton de Carvalho e publicada na página 15 do jornal O Globo, de 22/08/2008, é: Nova campanha de desarmamento é lançada pela União. O primeiro fato a chamar a atenção do leitor é que, enquanto nos “bons tempos” este assunto teria direito a chamada de capa – incluindo uma foto do Ministro da Justiça, com uma arma na mão, olhando-a com ar de desprezo – , agora a matéria é relegada a um espaço de 6x20 centímetros, escondido no pé da página 15. Tudo indica que o jornal O Globo, escaldado com o certeiro ponta-pé que levou na região glútea, por ocasião do Referendo de 23/10/2005, resolveu não se expor, nem se envolver nesse assunto.
Vamos analisar, em detalhe, o conteúdo da matéria e as opiniões do Ministro da Justiça:
O Ministro da Justiça, Tarso Genro, lançou ontem a nova campanha do desarmamento orçada em R$46 milhões. Nossas polícias, tanto a Militar quanto a Civil ou a Federal, de modo geral sofrem com a crônica falta de verbas para treinamento e reequipamento. Não faria mais sentido usar esse dinheiro em atividades que resultem em melhora dos serviços de segurança ao cidadão, em vez de ficar fazendo pirotecnia eleitoreira?
Com a iniciativa, o governo espera recolher ou incentivar o registro de mais de 300 mil armas de fogo. Primeiro, é preciso separar as coisas: para registrar sua arma, o cidadão paga; para entregá-la, recebe (ou deveria receber) uma determinada quantia em dinheiro. O registro de uma arma não resulta em ônus, e sim em receita para o Estado. Desta forma, todo o desembolso ficará por conta das armas que forem entregues. Vamos assumir que 85% dos que entregarem suas armas receberão R$100, e 15%, R$300. Isso resultará em um desembolso médio ponderado por parte do governo de R$130 por arma recolhida. Como a verba destinada é de R$40 Milhões (mais R$6 Milhões para divulgação), conclui-se que o doutor Tarso tem como meta recolher 308 mil armas, de 21 agosto até 31/12/2008.
O próprio governo informa que, durante a Campanha do Desarmamento que durou 22 meses – com direito ao que chamei de Caravana Rolidei do Desarmamento, apoio maciço das Organizações Globo, ONGs e Governos estrangeiros – conseguiu recolher 550 mil armas. Alguém acredita que agora, sem a antiga infra-estrutura de apoio e desgastados pela acachapante derrota no referendo, vão conseguir recolher, em quatro meses, o equivalente a 54% das armas recolhidas na primeira campanha que durou quase dois anos?
Essa nova campanha está fadada ao insucesso pelas seguintes razões:
1. O grosso das armas em mãos de cidadãos idosos influenciados pela algaravia apocalíptica do governo e de viúvas assustadas já foi recolhido. Eram, em sua grande maioria, cacos velhos sem nenhuma utilidade como arma. Quem tem uma arma em bom estado e ainda não a entregou não tem nenhum motivo pra fazê-lo agora;
2. A maioria das armas recolhidas era de grandes centros urbanos; restam agora, majoritariamente, armas em áreas rurais. Essas armas são o único instrumento de defesa que o cidadão tem, morando a quilômetros de uma delegacia. Assim, ele não se preocupa com registro – que lhe custará um bom dinheiro – nem, muito menos, vai entregá-la. Alguém que mora em uma cidade longe de um posto de recolhimento necessita ir a uma delegacia de polícia, solicitar uma guia de trânsito, depois pegar um ônibus para ir ao local de entrega. Dependendo do local onde o cidadão more, ele vai gastar mais com passagens do que receberá (receberá?) do governo.
3. A população não confia no governo, porque muita gente, ingênua o suficiente para confiar em promessas, entregou suas armas e não recebeu o pagamento (tenho uma pasta cheia de recortes de cartas de leitores reclamando por não ter recebido o pagamento por sua arma devolvida). Por uma questão de respeito aos cidadãos, o governo deveria dizer quanto pagou de indenização e quantos cidadãos ainda devem receber o prometido.
4. E aqui reside o fato mais sério: recentemente renovei minha carteira de identidade. É inimaginável o grau de detalhes que você deve fornecer sobre sua vida, coisas como estado civil, nome da esposa, endereço, telefone e, pasmem, e-mail! Fica aqui a pergunta que eu e muita gente se faz: o que impede que amanhã outro congresso, prenhe de “brilhantes cabeças pensantes” como o atual, não resolva fazer uma lei obrigando que todas as armas registradas sejam entregues por seus proprietários à polícia? É só cruzar os dados da carteira de identidade com os do registro da arma e eles saberão exatamente quem tem e onde está a arma a ser confiscada. Quem garante, amigo leitor, que esta não é a estratégia do governo por trás dessa balela toda?
5. Segundo o senador Renan Calheiros, que imagino bem informado, existiam no Brasil 20 milhões de armas (eu pessoalmente não acredito nesse número). Vamos assumir que cinco milhões sejam registradas de forma regular. Como foram recolhidas 550 mil, ainda existem 14,5 milhões armas irregulares. Retirar 300 mil, ou seja, 2% delas, vai resolver o problema ou é apenas mais um exercício de ilusionismo governamental?
Para Tarso Genro, a redução das armas em circulação não resolve o problema da segurança pública no país, mas ajuda a conter a violência. Senhor Ministro, o que resolve o problema da segurança pública e ajuda a conter a violência é um eficiente trabalho de inteligência apoiado por um completo banco de dados. Apenas um exemplo: até hoje, o SUS não publicou o relatório anual Intitulado Óbitos por UF de Residência, referentes aos anos 2005, 2006 e 2007. Esse relatório é peça essencial para análise de mortes ocorridas no país. É preciso também que possamos contar com uma polícia bem treinada (segundo o jornal O Globo, policiais do Rio de Janeiro passam até dez anos sem serem treinados ou reciclados), bem paga e bem equipada. Um elemento chave é uma polícia de fronteiras eficiente, com contingente e recursos materiais compatíveis com a tarefa de fiscalizar nossas fronteiras terrestres. Ademais, é preciso falar grosso com o Paraguai e a Bolívia, em especial o primeiro, e dizer-lhes claramente que se eles não tomarem um providência nós vamos tomá-la (já vimos que carinho por essa gente não resolve o problema). Já que o senhor está preocupado com o .38 na mão do cidadão de bem, recomendo-lhe que leia a matéria publicada no Globo de 22/07/08, página 16, onde poderá esclarecer alguns fatos sobre a origem e calibres das armas usadas pelos traficantes cariocas, estas sim o verdadeiro perigo, que tudo leva a crer o senhor, embora Ministro da Justiça, desconhece. Já o exército do companheiro Evo Morales, para retribuir o carinho que o presidente do Brasil dedica ao povo boliviano, tem enviado para os morros cariocas metralhadoras .30, graciosamente decoradas com o brasão boliviano (O Globo, 04/08/08, página 10).
Com menos armas em circulação, a tendência é que os riscos de bala perdida também diminuam, segundo o ministro. Aqui, o ministro bem que se esforçou, mas tudo o que conseguiu produzir foi uma meia verdade. Sim, doutor Tarso, menos armas significam menos balas perdidas. Lamentavelmente, o senhor só esqueceu de dizer que a maioria esmagadora das balas perdidas foram disparadas por armas de calibres exclusivos das forças armadas e das polícias civil e militar (e dos traficantes, naturalmente). Determine que se produza um relatório onde qualquer pessoa morta ou ferida por bala perdida tenha a munição que a atingiu coletada e identificada. O senhor vai então descobrir o que qualquer médico de pronto-socorro ou de Instituto Médico Legal está cansado de saber: que a maioria absoluta das vítimas foi atingida por munição calibre .223, .308, .40 ou 9 milímetros.
Há quatro anos estou fazendo um estudo baseado em notícia de jornais que pretendo publicar em breve. O estudo mostra que, do total de vítimas (só incluindo óbitos, não feridos), aqueles por “balas perdidas” (quando não se pode determinar a origem) representam 5,9% do total das ocorrências, enquanto mortes diretamente relacionadas a conflitos entre a polícia e a marginalidade, resultantes de ferimentos com calibres privativos, são 94,1%.
Portanto, responsabilizar cidadãos de bem por tragédias que têm como origem “bala perdida” é: a) Ludibriar o contribuinte e b) Não querer resolver o problema.
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