Luiz Gonzaga Lessa
Volto ao assunto "Venezuela" por julgar que, dia a dia, as implicações e conseqüências para o Brasil do que lá se passa ganham novo realce e dimensão, e por sentir que, apesar dos insistentes alertas da imprensa, o governo federal e a sua diplomacia em particular parecem indiferente às turbulências em curso.
Na semana passada a Assembléia Nacional Venezuelana aprovou as polêmicas 58 emendas constitucionais, a mais preocupante delas aquela que prorroga indefinidamente o mandato presidencial de Hugo Chávez, que declarou pretender ficar no poder até 2031. Jovem ainda, o tempo joga a seu favor e, ao final do período que prefixou, estará com 77 anos de idade e todos os atuais líderes mundiais e continentais já terão saído da cena política.
É mais um daqueles exemplos que, periodicamente, atormentam a história mundial, e que, valendo-se das fragilidades da democracia, busca a sua destruição, impondo-lhe um poder ditatorial sob uma roupagem de amplas liberdades e aprovação popular. Pouco a pouco, mas, talvez, já um tanto tarde, Igreja, imprensa, oposicionistas políticos e milhões de cidadãos esboçam uma reação ante a manifesta disposição de calar as suas vozes.
Assim, a chamada "República Bolivariana" se consolida e ameaça se espalhar pelo continente latino-americano, onde já encontra simpatizantes e parceiros submissos na Bolívia, Equador e até mesmo na orgulhosa Argentina, que, em busca de uns trocados, submete-se à política de Chávez.
Mas, o perigo venezuelano não se limita ao expansionismo da sua ideologia demodê, que intenta em implantar no continente o "socialismo do século XXI". Encontra respaldo em uma sólida base militar que, de forma significativa e pragmática, vai se construindo e consolidando a fim de apoiar as suas pretensões expansionistas, com o objetivo definido de, a médio prazo, transformar a Venezuela no maior poder militar da América Latina, ameaçando, desde já, alguns países com intervenção armada, como foi a recente declaração com relação à Bolívia, país com quem celebrou um controverso acordo militar, possibilitando a construção de numerosas bases nas suas fronteiras, vale dizer, inclusive com a nossa.
Parece que o Brasil ainda não se apercebeu do que está ocorrendo ao norte, quando, movido pela abundância dos petrodólares, Chávez promove pesados investimentos em armamentos sofisticados, gerando uma corrida armamentista e uma nova realidade político-militar na América do Sul.
O fantástico pacote militar venezuelano pode chegar a US$ 60 bilhões até 2020, quando, no dizer de Chávez, a Venezuela será a mais poderosa potência militar latino-americana. Ao começar o seu programa militar, o barril de petróleo era cotado a US$ 40,00; hoje, em torno dos US$ 90,00, com possibilidades de atingir os US$ 100,00 até o final do presente ano. Essa abundância de recursos financeiros, com perspectivas de assim prosseguir por um longo período, é um incentivo para a ampliação e o aprimoramento tecnológico do seu complexo militar, abrangendo de forma ampla e equilibrada as suas forças terrestres, navais e aéreas.
O plano de modernização em curso dará às forças armadas venezuelanas (ou forças armadas bolivarianas) um invejável poder dissuasório, já no ano de 2012, com investimentos estimados em US$ 30,7 bilhões, conforme abaixo se constata:
- elevação do contingente militar de 83.000 para 500.000 homens;
- criação da Milícia Nacional Bolivariana, hoje, com aproximadamente 1 milhão de milicianos, podendo chegar a 2 milhões. Enquadrada pelo Comando Geral das Reservas e Mobilização Nacional, sua estrutura é paralela e não subordinada às forças armadas e destina-se a defender o Partido Socialista Unido da Venezuela (seriam as SS venezuelanas?).
Na prática, funciona como um contrapeso político às forças armadas.
- aquisição de um lote de 3 submarinos russos que pode chegar a 10, classe Amur, de 1.750 toneladas, propulsão diesel elétrica, capazes de operar em qualquer tipo de mar (exceção dos glaciares), equipados com 4 mísseis leves de cruzeiro, 10 mísseis antiaéreos e 18 torpedos pesados de 533 milímetros;
- modernização e atualização tecnológica de 2 submarinos de fabricação alemã;
- aquisição e/ou revitalização de 138 navios de diversos tipos;
- aquisição de um lote de 800 viaturas blindadas russas, BTR-90, 20 toneladas, sobre rodas, equipadas com canhões rápidos de 30 milímetros, velocidade de 110km/h. Essa compra pode alcançar 1.000 veículos, com as 200 unidades suplementares destinadas ao transporte de tropa;
- aquisição de 100.000 fuzis automáticos russos Kalashinikov, AR-103;
- aquisição de 24 supercaças Sukhoi-30, com investimento de US$ 800 milhões, ponta de lança de um ambicioso programa que pode chegar até 150 supersônicos;
- aquisição de 53 helicópteros de ataque russo (modelos MI-17, MI-35 e MI-26);
- aquisição de 10 aviões de transporte CASA 295;
- aquisição de 2 aviões de patrulha marítima CASA 235;
- aquisição de 600.000 bombas, comuns e inteligentes, guiadas a laser ou por GPS, compradas da Europa;
- negociação de 10 radares de defesa aérea com a Suíça e de 3 estações de radar tridimensional YPR com a China, como parte de um programa de US$ 150 milhões para a defesa aérea;
- mísseis antiaéreos e de longo alcance.
Será que todo esse aparato militar destina-se apenas a se pôr a uma possível invasão norte-americana? Parece pouco provável. (Termina amanhã)
21 Nov 07
Perigo venezuelano (final)
Luiz Gonzaga Lessa
A modernização e a ampliação das forças armadas venezuelanas têm um importante subproduto político: o apoio incondicional dos seus integrantes à loucura bolivariana e o suporte para um longo período ditatorial.
Chávez, na sua luta messiânica de implantar na América Latina o socialismo do século XXI, não tem pejo de fazê-lo apenas no campo da doutrinação ideológica. Apóstolo de um credo retrógrado, que nem o grande Simon Bolívar foi capaz de concretizar, sonha unir os povos latino-americanos sob sua influência e poder, de forma pacífica ou cruenta, como recentemente ameaçou, unilateralmente, intervir militarmente na Bolívia para apoiar Evo Morales.
Seria o caso de se perguntar qual seria a atitude brasileira face a essa loucura política, junto às nossas fronteiras? Iríamos tolerar, como disse o próprio Chávez, um novo Vietnã em área diplomática do nosso interesse imediato?
Arvorando-se portador de uma mensagem salvadora, messiânica, de redenção das populações miseráveis, metamorfoseía-se em polícia hemisférica apoiando os que lhe são fiéis e combatendo os que se lhe opõem. Começa a apresentar as garras de todo caudilho: a autoconfiança, a prepotência, a propriedade da verdade absoluta e a firme convicção de que os fins justificam os meios.
A Venezuela tem pendências históricas com a Colômbia e a Guiana, e tornando-se uma potência militarista e expansionista pode ser tentada a resolvê-las pela força das armas.
A médio prazo está criado um clima de grande instabilidade e apreensão ao norte do continente sul-americano. E o Brasil, como se situa nesse desafiante contexto? Diplomaticamente, temos demonstrado uma enorme inaptidão e fragilidade para exercer o poder que temos. Quase que caminhamos a reboque das idéias de Chávez. Todos os seus grandes projetos e iniciativas - Mercosul, gasoduto sul-americano, banco do sul -, mesmo contrariando interesses brasileiros, vêm encontrando guarida e boa vontade na nossa diplomacia, o que só faz crescer a força pessoal e política do caudilho no hemisfério, em detrimento da tradicional influência brasileira.
Militarmente, é ainda mais crítica a nossa situação, e talvez isso possa explicar a submissão da diplomacia, que não tem a respaldá-la uma força militar dotada de real capacidade dissuasória.
A ameaça da Venezuela não se restringe apenas à parte norte do País, Roraima em particular. O núcleo vital, Brasília incluída, estará ao alcance dos seus aviões supersônicos, que terão a certeza do sucesso dos seus ataques e incursões pela fragilidade da nossa defesa antiaérea e meios aéreos de interceptação.
Os modernos BTR-90, que mobilizarão as unidades de reconhecimento e mecanizadas venezuelanas, não encontrarão pela frente resistência de vulto e a possível incursão ao longo da espinha dorsal da BR-174 será um verdadeiro passeio.
No mar, o núcleo vital do País, suas plataformas de petróleo e o intenso e fundamental comércio marítimo brasileiro ficarão seriamente ameaçados pelos modernos submarinos Amur, que terão pela frente uma tímida resposta da nossa Marinha. E por que chegamos a esse quadro catastrófico e, infelizmente, muito longe de hipotético?
Porque há um quarto de século as forças armadas brasileiras vêm sendo menosprezadas e contempladas com baixíssimas prioridades, se é que alguma existe, pelas ações governamentais indiferentes às possíveis ameaças e incapazes de estabelecerem e executarem uma política de defesa consentânea com os objetivos de segurança do Brasil. A falta de visão estragégica dos nossos dirigentes é abaixo da crítica.
É vergonhoso, desestimulante e quase desanimador o quadro catastrófico revelado nos recentes depoimentos, no Congresso Nacional, pelos comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.
Em linguagem bem crua e real, as nossas forças armadas estão muito aquém, não têm condições de cumprir as suas missões constitucionais de garantia da soberania e integridade territorial brasileiras.
Revanchismos, pequenez política, oportunismos, roubalheiras, politicagens, ausência de uma postura de estadista do comandante-em-chefe têm concorrido para as baixíssimas prioridades dadas às forças armadas, impedindo-as de realizarem investimentos que promovam a sua modernização e atualização tecnológica. O pouco que recebem é para a sua vida vegetativa. E se existe uma lição que todos temos que aprender é que forças armadas não se improvisam e relegá-las a plano secundário é correr o inaceitável risco da derrota. Como hoje se encontram, melhor seria chamá-las de forças desarmadas.
É forçoso que o brasileiro em geral e as elites dirigentes em particular tomem conhecimento do estado deplorável, vergonhoso e das enormes fragilidades em que se encontram as suas forças armadas e que, quando empregadas, o verdadeiro ônus do despreparo e do provável insucesso recaia no governo, na figura do comandante-em-chefe, na qual o presidente da República está investido.
O quadro atual parece mais caótico do que aquele vivido nos primórdios da Guerra do Paraguai, quando tivemos que amargar a vergonhosa capitulação de Uruguaiana e promover a reorganização e o reequipamento da Marinha e do Exército quando o inimigo já pisava o solo pátrio. Mestra nos seus ensinamentos, a história registra o mal que figuras totalitárias e caudilhescas, como a do sr. Hugo Chávez, fazem aos seus países e à humanidade.
Mais do que nunca, o Brasil não pode menosprezar o perigo venezuelano.
Luiz Gonzaga Schroeder Lessa é general-de-exército e presidiu o Clube Militar
Editor do Impunidade > Vergonha Nacional
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