Liminar atende a clubes militares, que são contra patente de coronel concedida pela União
Chefe do Clube Militar diz que patente é equívoco; para presidente de ONG, decisão de ontem reflete "espírito revanchista"
Atendendo a ação proposta por clubes militares, a Justiça Federal do Rio determinou, em liminar, a suspensão da decisão da Comissão da Anistia que promoveu Carlos Lamarca de capitão a coronel do Exército e concedeu à sua viúva, Maria Pavan Lamarca, pagamento de vencimentos equivalentes aos de general-de-brigada no valor de R$ 12.152,61, e indenização no valor de R$ 902.715,97.
A juíza Cláudia Maria Ferreira Bastos Neiva deu a liminar suspendendo "de ofício" -sem ter havido pedido de liminar pelos clubes Militar, Naval e da Aeronáutica- a portaria 1.267/07 do ministro da Justiça, que concedia o pagamento.
A medida é de caráter provisório (falta o julgamento do mérito) e cabe recurso.
Lamarca foi morto por uma patrulha do Exército em 1971, após ter deixado a Força para atuar na organização de esquerda armada Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).
A juíza argumentou que Lamarca não tem direito aos benefícios porque desertou da Força e "não foi atingido por atos de exceção consubstanciados em atos institucionais ou complementares".
"Sua exclusão das Forças Armadas decorreu de abandono do 4º Regimento de Infantaria de Quintaúna, (...) que inclusive propiciou a caracterização como crime de deserção."
A Comissão de Anistia havia decidido favoravelmente à família de Lamarca em junho, em ato criticado por militares da ativa e da reserva.
Para a juíza, que se refere ao militante da VPR como "capitão Carlos Lamarca", "a situação de risco é patente, com viabilidade de grave lesão aos cofres públicos, em razão de pagamentos mensais no montante recebido por general-de-brigada e de parcela única equivalente a R$ 902.715,97, isentos do Imposto de Renda".
A magistrada critica a decisão da comissão -que chama de "opção política"- e o valor concedido como indenização à viúva de Lamarca.
"É altamente questionável a opção política de alocação de receitas para pagamento de valores incompatíveis com a realidade nacional, em uma sociedade carente de saúde pública em padrões dignos, (...), deficiente em educação pública (...) e na área de segurança, sempre com a alegação de ausência de disponibilidade financeira. Todavia, é um Estado que prioriza seus escassos recursos para pagar indenizações dissociadas do quadro socio-econômico do povo brasileiro."
A ação passou de ordinária em ação civil pública e exclui os clubes Naval e da Aeronáutica, mantendo só o Clube Militar.
A Folha não encontrou a família de Lamarca ontem.
Reação
O presidente do Clube Militar, general da reserva, Gilberto Figueiredo, afirmou que a concessão da patente de coronel "foi um tremendo equívoco". "Deram guarida a um bandido, torturador, assassino. O Estado reconhecê-lo como merecedor de reparação nos pareceu enorme injustiça", disse.
A presidente do Tortura Nunca Mais do Rio, Cecília Coimbra, afirmou que a liminar reflete "espírito revanchista e vingativo de militares, passados tantos anos". "É lamentável, porque não se produz democracia assim. Que lógica é essa que preside a cabeça de alguns militares? É uma mentalidade tacanha, conservadora e reacionária, de lógica vingativa, que espero não esteja na cabeça de todos os militares."
Ela criticou ainda a juíza, para quem os valores da indenização são altos. "É argumento moralista e apelativo."
DA SUCURSAL DO RIO - Folha de S Paulo
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