ALERTA CONTRA A INSEGURANÇA
    DO SISTEMA ELEITORAL INFORMATIZADO  
        
     Cidadão brasileiro,
     Nosso regime democrático está seriamente ameaçado por um projeto de lei  em tramitação no Congresso Nacional, o Projeto do Voto Virtual, PL 1503/03.  Este projeto, sob a máscara da modernidade, acaba com as alternativas de  auditoria eficiente do nosso Sistema Eleitoral Informatizado, pois:  (1)  elimina o registro impresso do voto conferido pelo eleitor, substituindo-o  por um "voto virtual cego", cujo conteúdo o eleitor não tem como verificar;  (2) revoga a obrigatoriedade da Justiça Eleitoral efetuar uma auditoria  aberta no seu sistema informatizado antes da publicação dos resultados  finais;  (3) permite que o Sistema Eleitoral Informatizado contenha  programas de computador fechados, ou seja, secretos.
    O Projeto de Lei do Voto Virtual nasceu por sugestão de ministros do  Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao Senador  Eduardo Azeredo, e sua tramitação tem sido célere, empurrado pela  interferência direta desses ministros sobre os legisladores, como declarado  por estes durante a votação no Senado.
    As Comissões de Constituição e Justiça das duas casas legislativas  analisaram a juridicidade do projeto mas, apesar dos constantes alertas de  membros da comunidade acadêmica para seus riscos sem rigorosos procedimentos  de auditoria e controle, nenhuma audiência pública com especialistas em  Informática e Segurança de Dados foi realizada.
    Essa lei, se aprovada, trará como resultado a instituição de um sistema  eleitoral no qual não se poderá exercer uma auditoria externa eficaz, pondo  em xeque até os fundamentos do projeto democrático brasileiro. Aceitando  essa interferência e implantando um sistema eleitoral obscuro, corremos o  risco de virmos a ser governados por uma dinastia, com os controladores do  sistema eleitoral podendo eleger seus sucessores, mesmo sem ter os votos  necessários.
    A nação, anestesiada pela propaganda oficial, lamentavelmente desconhece  o perigo que corre. Os meios de comunicação, com honrosas exceções,  omitem-se inexplicavelmente, como se o assunto não fosse merecedor de nossa  preocupação.
    A finalidade deste alerta é a denúncia da falta de confiabilidade de um  sistema eleitoral informatizado que: utiliza programas de computador  fechados,  baseia-se em urnas eletrônicas sem materialização do voto, não  propicia meios eficazes de fiscalização e auditoria pelos partidos  políticos, e identifica o eleitor por meio da digitação do número de seu  título eleitoral na mesma máquina em que vota. Assim, o princípio da  inviolabilidade do voto, essencial numa democracia, será respeitado apenas  na medida em que os controladores do sistema eleitoral o permitirem,  transformando-se o voto secreto em mera concessão.
    Uma verdadeira caixa-preta a desafiar nossa fé, este sistema é  inauditável, inconfiável e suscetível de fraudes informatizadas de difícil  detecção. Como está, ele seria rejeitado na mais simples bateria de testes  de confiabilidade de sistemas pois, em Informática, "Sistema sem  fiscalização é sistema inseguro". Muitas das fraudes que ocorriam quando o  voto era manual, foram eliminadas, mas o cidadão brasileiro não foi alertado  de que, com a informatização, introduziu-se a possibilidade de fraudes  eletrônicas mais sofisticadas, mais amplas e mais difíceis de serem  descobertas.
     Enquanto os países adiantados caminham no sentido de exigir que  sistemas eleitorais informatizados possuam o registro material do voto,  procedam auditoria automática do sistema e só utilizem programas de  computador abertos, com esse Projeto de Lei do Voto Virtual, o Brasil vai na  contramão da história.
    De que adianta rapidez na publicação dos resultados, se não respeitarmos  o direito do cidadão de verificar que seu voto foi corretamente computado?     Segurança de dados é assunto técnico especializado e assusta-nos a falta  de seriedade com que nossa votação eletrônica tem sido tratada, nos três  Poderes, por leigos na matéria. Os rituais promovidos pelo TSE, como a  apresentação dos programas, a carga das urnas e os testes de simulação são  apenas espetáculos formais, de pouca  significância em relação à eficiência  da fiscalização.
    Surpreende-nos, sem desmerecer suas competências na área  jurídica, que  autoridades respeitáveis da Justiça Eleitoral possam anunciar, com toda a  convicção, que o sistema eleitoral informatizado é "100% seguro" e "orgulho  da engenharia nacional", externando inverdades em áreas que não dominam,  alheias ao seu campo de conhecimento específico.
    Para o eleitor, a urna é 100% insegura, pois pode ser programada para  "eleger" desde vereadores até o próprio presidente. O único e mais simples  antídoto para  esta insegurança é a participação individual do eleitor na  fiscalização do registro do seu próprio voto, pois ele é o único capaz de  fazer isto adequadamente.
    O TSE sempre evitou debater tecnicamente a segurança da urna, ignorando  todas as objeções técnicas em contrário. Nenhum estudo isento e independente  foi feito até hoje sobre a alegada confiabilidade da urna sem o voto  impresso. O estudo de um grupo da Unicamp (pago pelo TSE), parcial e pleno  de ressalvas, recomendou vários procedimentos como condição para garantir o  nível de segurança necessário ao sistema. Essas ressalvas, infelizmente,  foram omitidas na propaganda sobre as maravilhas da urna.
    A confiabilidade de sistemas informatizados reside nas pessoas e nas  práticas seguras. Palavras mágicas como assinatura digital, criptografia  assimétrica, embaralhamento pseudo-aleatório e outras panacéias de nada  valem se não forem acompanhadas de rigorosos procedimentos de verificação,  fiscalização e auditoria externas. Se esta urna algum dia cair sob o  controle de pessoas desonestas, elas poderão eleger quem desejarem. De modo  algum podemos confiar apenas nas pesquisas eleitorais como modo de validar  os resultados das urnas eletrônicas, especialmente se as diferenças entre os  candidatos forem pequenas.
    Nenhum sistema informatizado é imune à fraude, especialmente a ataques  internos, como sucedeu em julho de 2000 com o Painel Eletrônico do Senado,  fato que levou à renúncia de dois senadores. A única proteção possível é um  projeto cuidadoso que atenda aos requisitos de segurança, e à possibilidade  de auditorias dos programas, dos procedimentos e dos resultados.
     Basta de obscurantismo no sistema eleitoral. Enfatizamos a necessidade  de serem realizados debates técnicos públicos e independentes sobre a  segurança do sistema e de seus defeitos serem corrigidos, antes da aprovação  de leis que comprometam a transparência do processo.
     A democracia brasileira exige respeito ao Princípio da Transparência e  ao Princípio da Tripartição de Poderes no processo eleitoral.
     Instamos todos os eleitores preocupados com a confiabilidade de nosso  sistema eleitoral a transmitirem suas preocupações, por todos os meios  possíveis, a seus representantes no Congresso e aos meios de comunicação.  
Signatários:
Walter Del Picchia
Professor Titular da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo - USP
Jorge Stolfi
Professor Titular do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP
Michael Stanton
Professor Titular do Depto. de Ciência da Computação da Universidade Federal Fluminense - UFF
Routo Terada
Professor Titular do Depto. de Ciências da Computação do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo - USP
Edison Bittencourt
Professor Titular da Faculdade de Engenharia Química da Universidade de Campinas - UNICAMP
Pedro Dourado Rezende
Professor do Depto. de Ciência da Computação da Universidade de Brasília - UNB - Representante da Sociedade Civil no Comitê Gestor da Infra-estrutura de Chaves Públicas ICP-Brasil
Paulo Mora de Freitas
Chefe do serviço de Informática do Laboratório Leprince-Ringuet da Ecole Polytechnique, Palaiseau, França
José Ricardo Figueiredo
Professor Dr. do Departamento de Energia da Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade de Campinas - UNICAMP
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