Carta aberta ao meu General
Queria agradecer as palavras que o senhor me dirigiu por causa do meu artigo defendendo o Movimento militar de 1964 que salvou o Brasil do comunismo.
De fato, os livros que nossos oficiais da reserva têm escrito mostram ao povo brasileiro não somente a bravura dos nossos soldados, que deram suas vidas pela Pátria, como também a crueldade, a maldade e a traição que os terroristas usaram, quando ainda não estavam no poder, para impor ao Brasil sua ideologia de morte e escravidão.
Trago de minha formação
Como podia eu saber que aqueles bandidos em confronto com a polícia que, de dentro de um ônibus eu assisti, tentando assaltar uma agência bancária na Candelária, não buscavam apenas enriquecer com o dinheiro alheio, mas sim comprar armas, barganhar a libertação de assassinos, para levá-los à Cuba e treiná-los para a guerrilha? Do mesmo modo, quando li nos jornais que fora estourado o cativeiro de um dos embaixadores sequestrados, na rua Barão de Petrópolis, tão perto da minha casa, como poderia eu imaginar que se tratava de uma guerra para salvar o Brasil? Como eu assinalei no artigo “
Lembro-me ainda do entusiasmo que senti quando nossos militares cobriram o Caravelle com espuma e invadiram corajosamente o avião sequestrado, libertando os inocentes e derrubando em combate os criminosos, terroristas, que não tremem em matar inocentes para queimar nossa Pátria no fogo da corrupção e da sede pelo poder.
Porém, meu General, hoje percebo que no meio de tanta bravura, de tanto sacrifício, nosso Exército não estava preparado para oferecer ao povo brasileiro o essencial deste combate. Se é verdade que combatemos pela democracia, poderemos fazê-lo apenas na medida em que esta palavra signifique o anseio por uma liberdade que esteja sob o manto da Lei Eterna, restrita à obediência aos Mandamentos do Criador. A democracia liberal que pretende estar acima de Deus pela vontade do Povo, que ousa inventar leis que ferem a Lei Divina, como estamos vendo hoje em toda as nações, esta democracia não pode ser o ideal de um povo católico.
O que faltou ao nosso movimento cívico e democrático foi dar uma dimensão espiritual à vida da Pátria, à obrigação de todos de dar sua vida para salvar o Brasil não apenas pelas virtudes naturais, mas antes de tudo pelo amor e para maior glória de Deus Nosso Senhor.
Me vem à memória um grande soldado aviador de outra nação, que além de aviador era escritor e encantou o mundo com seu Pequeno Príncipe. É verdade, na alma irriquieta de Saint Exupery vibrava a nostalgia de algo mais elevado e sublime que os nobres ideais militares, por si sós, não são capazes de cobrir. Foi numa carta escrita durante a Guerra, publicada depois de sua morte, com o título: “Lettre au Général X”, que Saint Exupéry falou de coração aberto ao General seu amigo sobre as exigências espirituais que faltavam naquele conflito mundial:
“Ah! General, só existe uma questão, apenas uma no que se refere ao mundo: oferecer aos homens um significado espiritual, uma busca espiritual. Fazer chover sobre eles alguma coisa que se pareça com um canto gregoriano. Se eu tivesse a fé, tenho certeza que, uma vez passada esta época de ‘trabalho necessário e ingrato’ (ele se refere à guerra), o único lugar onde eu suportaria viver seria
Este é o profundo pensamento de um homem que dizia não ter a fé católica, mas que ia ao fundo das coisas. Basta ler seus livros para perceber isto. Mas junto dele, vem se alinhar uma plêiade de grandes soldados católicos que souberam dar à defesa da Pátria e da Civilização Cristã, a exigência espiritual reclamada pelo poeta e tão ausente das nossas fileiras.
E como devemos exemplificar, erguemos aqui nossa humilde homenagem aos cristãos medievais, Cruzados guerreiros, que não permitiram a homens violentos e assassinos cortar o caminho dos peregrinos aos lugares santos de Jerusalém. Se é verdade que no meio desta guerra santa havia aproveitadores e gananciosos, mais verdade ainda é a santidade de um São Luiz de França, a retidão católica de um Coração de Leão, na Inglaterra, o desprendimento de milhares de homens que atravessaram a Europa sem outra ambição senão conquistar o Céu - guerreiros fortes que não tinham vergonha de dobrar os joelhos em terra e venerar a Santa Mãe de Deus; e a João da Áustria, comandante da pequena esquadra cristã que derrotou brilhantemente todo o poderio dos turcos muçulmanos, que tentavam conquistar a Europa para o Islão; e aos católicos da Vendéia francesa, que não se deixaram enganar pela propaganda revolucionária com seus gritos de Liberté, Égalité, Fraternité, no momento exato em que esta mesma Revolução montava suas guilhotinas em Paris e arredores. Foram dizimados num genocídio atroz, estes católicos que pediam a volta do rei.
Também no México, nação de católicos perseguidos à morte pelo governo maçon, os camponeses se armaram e foram à guerra, ao grito de Viva Cristo Rei, para que o México não se tornasse uma república laica e desalmada. Morreram todos massacrados, meu General, quando já estavam às portas da vitória, porque quiseram obedecer à voz do papa dizendo-lhes que largassem as armas, pois assim teriam de volta sua liberdade e a paz, um trágico equívoco de Pio XI, enganado pelos maçons. (isso se passou entre 1926 e 1929)
Dez anos mais tarde, foi a vez da cruzada espanhola contra o comunismo, quando freiras e padres foram violentados e martirizados pelas hordas dos bárbaros bajuladas pela imprensa mundial. No meio desta terrível guerra civil destaca-se a voz de uma criança, Luiz Moscardó, que aceitou morrer pela Pátria e por Cristo Rei. O senhor conhece, certamente, este emocionante episódio, contado por Gustavo Corção em seu Século do Nada. Os comunistas telefonaram ao General Moscardó para dizer que fuzilariam seu filho, caso não entregasse o Alcazar de Toledo:
— Le damos diez minutos para capitular — disse — en outro caso le fusilaremos.
— Usted no es soldado ni caballero. Si usted lo fuese, sabria que el honor de un militar no cede ante la amenaza.
— Usted me responde asi porque no cree en mi amenaza. Pero hable con su hijo. Aqui Moscardó!
— Oiga, papa?
— Que hay, hijo mio?
— Nada de particular, papá. Dicen que me van a fusilar si no te rindes. Que debo hacer?
— Tu sabes lo que pienso. Si es certo que te van fusilar, encomienda tu alma a Dios, ten un pensamiento para España y outro hacia Cristo Rey.
— Es muy facil, papá. Haré las dos cosas... un beso muy furte, papá.
— Adios, hijo mio. Um beso muy fuerte.
São apenas alguns exemplos entre tantos outros, de soldados de joelhos dobrados, adorando a Jesus Sacramentado, antes de partirem para a batalha, de soldados rezando o Terço de Nossa Senhora e conseguindo assim uma vitória impossível. Não foi assim em Lepanto? Não foi assim em La Rochelle?
Foi assim também entre nós, é verdade. O povo brasileiro saiu às ruas com o Terço nas mãos, pedindo a Deus a liberdade, pedindo a Deus e à Nossa Senhora Aparecida, que salvassem o Brasil do comunismo. As Marchas da Família, com Deus pela Liberdade deram o sinal do cunho católico da nação, apesar do Estado, que deveria também adorar ao único Deus, ter-se feito laico no início da República.
“Dois dias depois, em todas as cidades grandes do Brasil, o povo encheu as ruas com a Marcha da Família — com Deus pela Liberdade. Eu e quatro amigos estivemos perdidos, imersos na mais densa multidão que jamais víramos reunida. Ali estava o que os intelectuais de esquerda chamavam de antipovo. Ali estava o sangue vivo de nosso bom Brasil. E eu então senti-me possuído de uma enorme admiração por este povo singular que acabava de vencer uma Copa do Mundo no combate ao comunismo. Agradecendo a Deus os favores de exceção que de certo modo não merecíamos, agradecia também os favores da natureza e das merecidas conseqüências. Grande povo!” (Gustavo Corção, O Século do Nada, introdução)
E Corção continua, logo a seguir:
“Foi um dos mais belos espetáculos que vi. E tenho pena dos corações alienados que não tiveram a capacidade para acolher tão boa e tão bela alegria. Lembrei-me de uma página de Léon Bloy. A França acabara de marcar a vitória do Marne. Os jornais estavam encharcados de júbilo, de esperança, de triunfo. Mas Léon Bloy folheava os jornais com cólera crescente, e depois com tristeza infinita. O que é que o velho leão procurava nos cantos dos jornais? Lá está escrito em seu Diário: “Je cherche en vain le nom de Dieu”. Ora,
Mas o mundo entrava, nesta década perdida dos anos 60, num turbilhão onde veríamos perecerem todos os valores espirituais da Civilização Cristã. Não era coisa nova, certo. A decadência da Civilização Cristã já começara 400 anos antes, com o Humanismo e a Reforma. Mas foi ali, há quarenta anos, que o golpe de misericórdia foi desferido no nome católico.
De fato, em 1964, O Concílio Vaticano II estava
Os acontecimentos do Concílio Vaticano II não são bem conhecidos pelas pessoas. Vou mostrar rapidamente como aconteceu o movimento revolucionário que, dentro do Concílio, derrubou a Tradição católica, abrindo as portas da Igreja para o mundo, para a fumaça de Satanás. Quantos sabem que um partido político foi formado, no Concílio, pelos bispos alemães, franceses, belgas, austríacos, suiços e holandeses, ao arrepio de todas as leis da Igreja? Era a chamada Aliança Européia, que já chegou em Roma armada e estruturada, com meios impressionantes, para estabelecer uma guerra contra a Cúria Romana. Ora, a Cúria Romana era a chefia da Igreja, seu Estado Maior. Foi, assim, contra a autoridade da Igreja que estes bispos se levantaram. E foram conseguindo vitórias, uma após outra, impondo à maioria atônita e desorganizada membros seus para as comissões de deliberação, mudanças no regulamento do Concílio, eliminação dos textos considerados por demais tradicionais, entre outras atitudes revolucionárias. Eleito o papa Paulo VI, em 1963, esses mesmos bispos da Aliança Européia subirão com ele, ocupando na Cúria os cargos até então exercidos por homens íntegros e fiéis à Tradição. A partir daí, esses revolucionários, bem assentados no poder, exigirão de todos submissão, obediência a ordens ilegítimas e, sobretudo, o ensino de erros de inspiração protestante, sob o impulso de um liberalismo doutrinário asfixiante para a fé católica.
Assim, quando um bispo como Mons. Marcel Lefebvre quiser ordenar padres para celebrarem a Missa de sempre - a de São Pio V - os revolucionários ocupando o poder na Igreja, gritarão: “Submeta-se, obedeça!” “O senhor é contra o Papa!” e outras palavras de ordem que serão repetidas pela imprensa de todo o mundo, condenando um santo bispo que só queria morrer com sua consciência de católico em paz.
E o povo católico verá, atônito, seus próprios pastores jogando ao chão tudo o que é sagrado, destruindo altares e igrejas, deshonrando o sacerdócio por uma vida mundana, tornando o Santo Sacrifício da Missa uma ceia protestante, ensinando heresias sobre Nosso Senhor Jesus Cristo, sobre a Santíssima Virgem Maria, sobre a Igreja. Quanto a esta, já não será mais a única tábua de salvação, e a heresia do ecumenismo será o espírito animador desta Revolução.
Eis aí, meu General, a base de toda esta catástrofe espiritual que levou de roldão nosso Movimento cívico de salvação contra o comunismo. Foi a ausência da Igreja como força civilizacional que deixou livre o mundo comunista para pressionar os bons governantes de então. O Concílio se recusou a renovar a solene condenação ao comunismo, como doutrina intrinsicamente perversa, porque o Vaticano havia firmado um pacto com Moscou, comprometendo-se a isto. E nós fomos vergonhosamente traídos.
E hoje, quarenta anos depois, o que nos resta da bravura? O que sobrou do heroísmo dos nossos soldados? A melancólica lembrança de um passado vitorioso, diante da vingança dos derrotados, do poder dos comunistas, da destruição de toda a base civilizacional dos povos cristãos. E fica no coração um estranho sentimento de desperdício, apesar de eu saber que o governo militar não tinha como conter uma avalanche desta ordem.
E se há quarenta anos não havia no Exército a compreensão da questão espiritual que era a essencial, hoje não se vê nem mesmo as convicções morais que levaram nossos generais a enfrentar a guerra para nos livrar do comunismo. Hoje tanto o povo quanto os soldados, não estão mais preocupados com a escravidão a que fomos submetidos, pela Revolução Cultural, abaixaram a guarda, e deixaram-se derrotar pelos antigos terroristas derrotados. Esta atitude foi o resultado de um massacre ideológico, mediático que só funcionou porque nossa elite não estava preparada para o combate espiritual contra a Revolução dentro da Igreja.
É isto que eu precisava dizer: só a formação espiritual do povo brasileiro, do nosso Exército, poderia ter mantido a Pátria na constante luta pela Civilização Cristã, no combate pela preservação da família brasileira, pelo papel da Igreja na salvação dos homens. Mas os tempos de provação chegaram e o mundo inteiro se dobrou, capitulou, e aceitou o desparecimento da mais bela flor de civilização já vista na face da Terra, à qual poderíamos chamar sem erro, de Reino Social de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Enquanto tivermos força gritaremos, clamaremos pelas almas de boa vontade, para que devolvam a Deus a soberania sobre seus corações, sobre suas famílias e sobre as nações.
Aí está, meu General, alguns pensamentos que queria compartilhar com o senhor, sabendo que eles encontrarão em sua alma a ressonância, o eco de milhões de vidas, de soldados que o senhor conheceu e que hoje clamam dos céus pela nossa Pátria. Termino por estas palavras que brotaram um dia do coração do soldado das letras, como uma oração final:
“Que fazer ?
Lutar. Combater. Clamar. Guerrear.
Roguemos pois a Deus, com todas as forças; desfaçamo-nos em lágrimas de rogo e gritemos a súplica que nos estala o coração: enviai-nos Senhor, ainda neste século, um reforço
de grandes santos, de grandes soldados que queiram dar a vida, no sangue ou na
mortificação de cada dia, pela honra e glória de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Compadecei-vos, Senhor de nossa extrema miséria, e sacudi os
homens para que eles saibam quem é o Senhor !”
(Gustavo Corção, “O Século do Nada”)
Dom
Para as comemorações de 31 de março de 2007
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